Pages

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Estação da Alma - Partes 1 e 2.



Parte 1.
Ah, o outono. Aquela estação trazia lembranças demais para ele. Como de costume, León colocava seu casaco preferido, pegava sua bicicleta e saía de casa. Seu destino não demorava muito a chegar. Depois de alguns quarteirões, podia-se ver a entrada do Parque Kolomenskoye, na cidade de Moscou. Da entrada era possível ver as árvores grandes, com suas copas bem laranja-amareladas e vivas, o normal para aquele período do ano. As folhas, caídas, cobriam o chão e faziam todo o caminho parecer um tapete sem fim. O ar era puro e não havia nenhuma criatura no mundo que não se encantasse com aquela paisagem. Com o jovem León, não era muito diferente.
Seu cabelo era ruivo; sua pele, branca. Um branco bem singular, quase como neve. León tinha poucos anos de vida, mas já sabia questionar coisas que qualquer velho filósofo duvidaria. Após alguns minutos olhando para aquele lugar, o garoto de 17 anos resolveu entrar. Conforme caminhava pelo parque, lágrimas caíam por seu rosto. Era a vida, mais uma vez, expondo uma certa crueldade.
Cada jardim, ponte ou lago do parque fazia León se lembrar de sua infância; e a felicidade daquele momento tomava conta de seu ser, novamente. Era como se ele pudesse reviver toda aquela época, nem tão distante assim; e sentir o passado como se fosse presente. Foi então, que o garoto encontrou o que procurava: a árvore mais antiga daquele lugar estava ali, encarando-o, induzindo seus pensamentos e reproduzindo suas emoções. Lentamente, ele sentou embaixo da árvore, respirou fundo e fechou os olhos, esperando que toda a mágica acontecesse. Seus pais, Werner e Katerina se aproximavam, sorridentes, e até estranhamente alegres. Pararam há alguns metros de León e começaram a acenar para um garotinho que, andou rapidamente até eles. Intrigado, León tentava entender o que acontecia com ele e quem era aquele menino.
Sua mãe era alta, seus cabelos curtos e simetricamente enrolados e o rosto, mais angelical impossível. Era do tipo de pessoa que sempre sabe a coisa certa para dizer e que estava sempre pronta para ajudar a todos, da maneira mais nobre possível. Katerina era uma das jornalistas mais renomadas do país. Suas críticas estavam sempre em destaque e as polêmicas em torno daquela mulher eram visíveis.  Ao contrário da doçura e suavidade de Katerina, o pai, Werner, tinha uma expressão bastante fechada; algumas rugas no rosto revelavam que a vida também não estava sendo muito fácil para ele. O olhar estava, com certeza, cansado. Inegavelmente, era um homem de muita experiência. Não que isso o ajudava com os filhos, já que ele não era lá dos pais mais carinhosos. Mas, o amor estava ali, sempre presente. Trabalhava como professor universitário, lecionando Antropologia brilhantemente. E aos poucos, León parecia compreender o que estava acontecendo.

Parte 2.
Aquele garoto era ele. Sim, era León. O cabelo e os olhos não permitiam dúvidas; ele podia sentir a alegria daquele dia. Seus pais também pareciam um tanto realizados e León se lembrou de como tudo acontecera. Em seu aniversário de 7 anos, León passeava com os pais por todo o parque Kolomenskoye comemorando e curtindo toda a plenitude daquele momento. Mas, ao invés de sentir-se realizado com as lembranças, León parecia cada vez mais triste olhando para aquele cena. As lágrimas se tornavam pequenas; o olhar, escondia-se cada vez mais. As palavras sumiram, os pensamentos se confundiam e só restava a saudade. Uma nostalgia, no mínimo, inexplicável tomava conta do garoto. León daria tudo para voltar no tempo e consertar seus erros. E ele sabia exatamente o que precisava ser corrigido, o que só aumentava sua culpa.
León fora bem educado e tinha uma vida confortável. Entretanto, isso parecia não fazer diferença para ele. Conforme crescia, León se tornava cada vez mais amargo. Seus pais trabalhavam demasiadamente e, a ausência deles fazia com que o garoto se perdesse cada vez mais. O tempo passava e o mundo de León foi perdendo sua cor. No auge de sua adolescência, León só sabia odiar. Odiava os pais, odiava os amigos, a escola. Odiava sua imagem refletida no espelho, odiava não conhecer a liberdade; odiava ter nascido.
Katerina e Werner não sabiam mais o que fazer com o filho. Nada o animava. Tentaram de tudo: terapias e remédios; desde opiniões médicas de todos os tipos até uma boa e sincera conversa com ele. Em vão.
Sem opções, Katerina entrou em depressão. O trabalho sempre fora muito prazeroso para ela, mas sua obsessão pelo jornalismo não passava de necessidade. A vida financeira da família era mediana e claramente árdua. Todo o reconhecimento e sucesso profissional era resultado de uma dedicação e renúncia. Fatalmente, eles não esperavam pelas consequências  dessa escolha e, também não imaginavam sua gravidade. Por isso, a depressão foi inevitável. Acreditar que tudo o que aconteceu com León fora por sua causa, fazia Katerina perder seu sentido.
E a situação só viria a piorar. O ano era 1938. Na Rússia, eram tempos difíceis. Ditadura e censura eram o que havia de mais frequente na época. A educação era neuroticamente controlada. Para os professores e estudantes bastava uma manifestação de oposição ou questionamento para que tudo estivesse acabado. Pois é, tudo. Com todos os problemas familiares e internos, Werner se embriagou de palavras e se deixou levar pela revolta, sendo censurado por um de seus artigos. Pouco tempo depois veio a notícia: foi cruelmente executado.
León não queria mais se lembrar de tanta tristeza. Sem o marido, Katerina não conseguiu lidar com suas próprias emoções. Foi internada às pressas e não havia muita esperança para sua recuperação. O arrependimento era pouco para o garoto. Não aguentava viver com essas memórias de seus pais que tanto o amavam. León se perguntava: O que fiz por eles? Como pude ser tão insensível? - e a resposta martelava em sua cabeça desesperadamente. Sozinho, ele não sabia o que seria de sua vida. Mas, León não ficaria ali, parado, para sempre.

0 comentários:

Postar um comentário