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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sentir é pensar sem ideias.

Pensar demais doi. As horas parecem não passar e o cansaço é certo. Esse texto nada mais é que uma tentativa, e minha, de descrever essa ideia que não quer sair. Já me deparei com vários escritores tentando entender "qual é" a dessa tal inspiração, que parece agir por vontade própria. Pois é, pelo jeito não estou sozinha por aqui.
De tanto procurar na gavetas empoeiradas do meu cérebro, acabei me perdendo mais ainda. Passei horas pensando e viajando em vão. Há um verso, ou alguns, prontos aqui dentro de mim, eu tenho certeza. Posso sentir as palavras ordenadas  em minha memória, dançando a "dança dos parágrafos", da maneira mais graciosa possível. E nada. Toda vez que pego minha caneta preta de sempre e olho para as folhas brancas, nada acontece. Ah, que angústia é essa? Meus dedos não conseguem parar; parar com essas frases perdidas. O que eu posso fazer? Esqueci de desligar o botão da sensibilidade e encontro-me aqui, pensando sobre pensamentos.
Sinto muito. Também não fui capaz de entender o que acontece comigo, ou conosco. No fundo, deve ser assim mesmo. Cada pessoa herda do mundo aquilo que merece. E a mim, coube essa mania. A mania de pensar demais.


"Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia desse momento
inunda minha vida inteira."
Carlos Drummond de Andrade.

sábado, 28 de janeiro de 2012

A Estação da Alma - Parte 3 (Final).

Para quem ainda não leu as outras partes, aqui estão: http://poetade-parede.blogspot.com/2012/01/estacao-da-alma-partes-1-e-2.html


Não que León tivesse muita força para se mexer naquele momento, mas a culpa e suas lembranças cruéis faziam o garoto ter certeza de que algumas decisões precisavam ser tomadas. Levantou-se, cambaleante; e o caminho de volta, trouxe-lhe uma ponta de esperança na vida.
Internamente, León pedia perdão aos seus pais todos os dias por toda a ingratidão e desprezo que havia promovido. Passou, então, a fazer visitas periódicas à sua mãe, fato que o fazia sentir-se melhor. Katerina não se recordava do filho, mas aquele garoto ruivo de expressão profunda e fazia muito bem como companhia. E convenhamos que o esquecimento, talvez, fosse a melhor maneira de poupar aquela mãe tão dedicada de memórias sofridas e decepcionantes.
E assim León foi, aos poucos, construindo sua próprias vida; sozinho, sempre. Passou a estudar, terminou a escola regular e ingressou em uma Universidade; frutos de total dedicação. Anos mais tarde, tornou-se um respeitável advogado em Moscou, alcançando prestígio e estabilidade financeira. A área sentimental de León, todavia, não apresentava tamanho êxito. Suas mágoas não permitiam que ele deixasse a solidão. Ele não se esforçava muito em compartilhar suas agonias, pelo medo de que mais alguém sofresse por sua causa. Por isso, o coração andou sempre desocupado. Suas preocupações resumiam-se em visitar sua mãe, trabalhar e organizar suas necessidades vitais. Limitado. O passado não conseguiu deixá-lo em paz, e León simplesmente foi coagido a viver com suas dúvidas todos os dias; questionando o rumo que sua vida tomara e, inevitavelmente, insatisfeito com as respostas que recebia.
Agora Caro Leitor, indelicadamente, permito-nos essa reflexão. León não é o único que passou por esta situação. Quantas e quantas vezes nos pegamos pensando no que teria acontecido se tivéssemos escolhido caminhos diferentes? Pois é, e mesmo assim, parece que nada nem ninguém é capaz de solucionar esse dilema. O arrependimento não é lá das melhores sensações do mundo, convenhamos. Algumas vezes, contudo, ele nos faz repensar atitudes e até nos revoltarmos com elas. Nada que não tenha fim, também. Mas, essa ideia nos é natural, e conviver-nos-emos com ela. E quando aquela indecisão insolente sobre o que teria acontecido vier nos atrapalhar, seremos insolentes na mesma medida. Seguir em frente, acreditando no caminho do coração, sempre.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Quem com ferro fere, com ferro será ferido.

Recíproco: s.f. Estado ou qualidade do que é recíproco. Correspondência mútua de palavras, atos, etc. Reciprocidade de sentimentos. Há algum tempo essa palavra vem pedindo um espaço. E talvez seja hora de encontrá-lo. Aqui estamos nós, novamente, buscando respostas para questões que nos incomodam. Ou que me incomodam, como preferirem. Estava sem ideias revolucionárias para começar o texto, mas a definição do dicionário foi eficiente na reflexão.
Mergulhados em egoísmos, exaltações e perseguições, fazemos nossos sentimentos se tornarem simples moedas de troca; investindo-os nas pessoas e, claro, esperando grandes lucros de volta. Exatamente da maneira mais estranha possível, deixamos de sentir e passamos a cobrar. Cobramos respostas, olhares e ações. Esperamos que os outros sejam milimetricamente iguais aos protótipos humanos que imaginamos à nosso lado. Buscamos a perfeição em nossas relações; mesmo cientes de que "perfeição" e "humano" nada têm de sinônimos.
Pior ainda. No momento em que nos damos conta de que não fomos correspondidos, a frustação é inevitável. Aquela pessoa não nos procura mais, aquele sorriso não é mais como antes, caímos no esquecimento; ignorados, humilhados. Chegamos a significar nada. A solidão soa tão bem numa hora dessas. A chateação nos faz desacreditar das pessoas. Generalizamos, dramatizamos, mentimos. Mais uma vez. Nós dramatizamos essa situação. Sem parar para pensar racionalmente, nos deixamos ferir; apodrecemos os sentimentos, derramamos lágrimas involuntariamente e condenamos. Julgamos as pessoas à nossa volta e as aprisionamos, pelo simples fato de que o comportamento delas não foi como o idealizado.
Mas peraí. Quem foi que disse que as coisas são como nós, utopicamente, ansiamos? Quem um dia foi capaz de colocar a mão no fogo por um bando de humanos inconstantes? Já afirmei algumas vezes por aqui que os indivíduos mudam, naturalmente. Todos nós o fazemos. Trocamos nosso gosto musical, nossas ideias e convicções. Renovamos a aparência e a mentalidade a cada dia, a cada hora. E, eventualmente, o que tem significado hoje, pode tornar-se obsoleto amanhã. Por que não acharmos essa insatisfação bela? Isso faz parte da nossa essência, da nossa humanidade. Mudar as coisas com as quais convivemos é o modo de dizer: "Estamos aqui! Pensando sobre a vida e procurando um jeito de entendê-la". Tem experiência mais rica que essa?
E então, voltamos para a reciprocidade. Cientes de que tudo muda, como podemos cobrar atitudes de alguém, somente para satisfazer nosso ego? Porque sim, querer que os outros sejam como desejamos é puro egoísmo. Não há nada de reciprocidade nesse pensamento, não mesmo. É como querer ter flores e colher frutos sem ter que cultivar. Como querer correr sem ao menos dar um passo à frente. Como querer ganhar um jogo sem ter que arriscar. É como querer tudo. E não fazer nada.
Por isso, comecemos ainda hoje. Se quisermos um abraço, começaremos abraçando. Se quisermos um sorriso, sorriremos primeiro. Se quisermos sinceridade, acabaremos com nossas próprias mentiras antes de tudo. Se quisermos atenção, daremos a nossa à alguém. Se precisarmos desabafar, iniciaremos ouvindo. Afinal, isso é ser recíproco. É sermos merecedores de um sentimento que nós mesmos plantamos, que existe dentro de nós. E que é espontâneo. Faz parte das emoções de todos que amamos e que nos amam de volta.
Sinceramente, nós precisamos entender essa lógica. Quando digo "nós", não é pura hipocrisia. Somos você e eu, questionando essa reciprocidade inventada. Talvez mais eu, talvez mais você. Isto, contudo, não importa. Interessa que nos comprometamos a mudar, a dar aquilo que queremos receber, sem esperar que algo ou alguém realize nossas vontades. Provavelmente, eu já tenha assumido minhas culpas ao escrever esse texto. Mas, e você? Já parou para pensar que o problema pode ser você e não o resto do mundo?

A Estação da Alma - Partes 1 e 2.



Parte 1.
Ah, o outono. Aquela estação trazia lembranças demais para ele. Como de costume, León colocava seu casaco preferido, pegava sua bicicleta e saía de casa. Seu destino não demorava muito a chegar. Depois de alguns quarteirões, podia-se ver a entrada do Parque Kolomenskoye, na cidade de Moscou. Da entrada era possível ver as árvores grandes, com suas copas bem laranja-amareladas e vivas, o normal para aquele período do ano. As folhas, caídas, cobriam o chão e faziam todo o caminho parecer um tapete sem fim. O ar era puro e não havia nenhuma criatura no mundo que não se encantasse com aquela paisagem. Com o jovem León, não era muito diferente.
Seu cabelo era ruivo; sua pele, branca. Um branco bem singular, quase como neve. León tinha poucos anos de vida, mas já sabia questionar coisas que qualquer velho filósofo duvidaria. Após alguns minutos olhando para aquele lugar, o garoto de 17 anos resolveu entrar. Conforme caminhava pelo parque, lágrimas caíam por seu rosto. Era a vida, mais uma vez, expondo uma certa crueldade.
Cada jardim, ponte ou lago do parque fazia León se lembrar de sua infância; e a felicidade daquele momento tomava conta de seu ser, novamente. Era como se ele pudesse reviver toda aquela época, nem tão distante assim; e sentir o passado como se fosse presente. Foi então, que o garoto encontrou o que procurava: a árvore mais antiga daquele lugar estava ali, encarando-o, induzindo seus pensamentos e reproduzindo suas emoções. Lentamente, ele sentou embaixo da árvore, respirou fundo e fechou os olhos, esperando que toda a mágica acontecesse. Seus pais, Werner e Katerina se aproximavam, sorridentes, e até estranhamente alegres. Pararam há alguns metros de León e começaram a acenar para um garotinho que, andou rapidamente até eles. Intrigado, León tentava entender o que acontecia com ele e quem era aquele menino.
Sua mãe era alta, seus cabelos curtos e simetricamente enrolados e o rosto, mais angelical impossível. Era do tipo de pessoa que sempre sabe a coisa certa para dizer e que estava sempre pronta para ajudar a todos, da maneira mais nobre possível. Katerina era uma das jornalistas mais renomadas do país. Suas críticas estavam sempre em destaque e as polêmicas em torno daquela mulher eram visíveis.  Ao contrário da doçura e suavidade de Katerina, o pai, Werner, tinha uma expressão bastante fechada; algumas rugas no rosto revelavam que a vida também não estava sendo muito fácil para ele. O olhar estava, com certeza, cansado. Inegavelmente, era um homem de muita experiência. Não que isso o ajudava com os filhos, já que ele não era lá dos pais mais carinhosos. Mas, o amor estava ali, sempre presente. Trabalhava como professor universitário, lecionando Antropologia brilhantemente. E aos poucos, León parecia compreender o que estava acontecendo.

Parte 2.
Aquele garoto era ele. Sim, era León. O cabelo e os olhos não permitiam dúvidas; ele podia sentir a alegria daquele dia. Seus pais também pareciam um tanto realizados e León se lembrou de como tudo acontecera. Em seu aniversário de 7 anos, León passeava com os pais por todo o parque Kolomenskoye comemorando e curtindo toda a plenitude daquele momento. Mas, ao invés de sentir-se realizado com as lembranças, León parecia cada vez mais triste olhando para aquele cena. As lágrimas se tornavam pequenas; o olhar, escondia-se cada vez mais. As palavras sumiram, os pensamentos se confundiam e só restava a saudade. Uma nostalgia, no mínimo, inexplicável tomava conta do garoto. León daria tudo para voltar no tempo e consertar seus erros. E ele sabia exatamente o que precisava ser corrigido, o que só aumentava sua culpa.
León fora bem educado e tinha uma vida confortável. Entretanto, isso parecia não fazer diferença para ele. Conforme crescia, León se tornava cada vez mais amargo. Seus pais trabalhavam demasiadamente e, a ausência deles fazia com que o garoto se perdesse cada vez mais. O tempo passava e o mundo de León foi perdendo sua cor. No auge de sua adolescência, León só sabia odiar. Odiava os pais, odiava os amigos, a escola. Odiava sua imagem refletida no espelho, odiava não conhecer a liberdade; odiava ter nascido.
Katerina e Werner não sabiam mais o que fazer com o filho. Nada o animava. Tentaram de tudo: terapias e remédios; desde opiniões médicas de todos os tipos até uma boa e sincera conversa com ele. Em vão.
Sem opções, Katerina entrou em depressão. O trabalho sempre fora muito prazeroso para ela, mas sua obsessão pelo jornalismo não passava de necessidade. A vida financeira da família era mediana e claramente árdua. Todo o reconhecimento e sucesso profissional era resultado de uma dedicação e renúncia. Fatalmente, eles não esperavam pelas consequências  dessa escolha e, também não imaginavam sua gravidade. Por isso, a depressão foi inevitável. Acreditar que tudo o que aconteceu com León fora por sua causa, fazia Katerina perder seu sentido.
E a situação só viria a piorar. O ano era 1938. Na Rússia, eram tempos difíceis. Ditadura e censura eram o que havia de mais frequente na época. A educação era neuroticamente controlada. Para os professores e estudantes bastava uma manifestação de oposição ou questionamento para que tudo estivesse acabado. Pois é, tudo. Com todos os problemas familiares e internos, Werner se embriagou de palavras e se deixou levar pela revolta, sendo censurado por um de seus artigos. Pouco tempo depois veio a notícia: foi cruelmente executado.
León não queria mais se lembrar de tanta tristeza. Sem o marido, Katerina não conseguiu lidar com suas próprias emoções. Foi internada às pressas e não havia muita esperança para sua recuperação. O arrependimento era pouco para o garoto. Não aguentava viver com essas memórias de seus pais que tanto o amavam. León se perguntava: O que fiz por eles? Como pude ser tão insensível? - e a resposta martelava em sua cabeça desesperadamente. Sozinho, ele não sabia o que seria de sua vida. Mas, León não ficaria ali, parado, para sempre.