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domingo, 9 de outubro de 2011

Bolsos de garota.


Escrito por Paloma Tamura.

Ela guardava mil sorrisos no bolso: cada um era de um jeito, tinha o seu momento e a sua função. Todos os dias, antes de sair de casa, ela os arrumava caprichosamente, pensando apenas no encantamento em olhos alheios que eles poderiam causar. Sentia-se feliz e completa ao fazer isso. Pensando apenas em como eles afetariam os outros, querendo apenas causar uma alegria bem grande. Mas, conforme o tempo foi passando, ela percebeu que tinha algo errado, pois falhava em sua missão: percebeu que ninguém reparava nos sorrisos dela, que ninguém se dava ao trabalho de olhar. E quando ela parou de arrumá-los, enfeitá-los, até mesmo de usá-los, não ouviu nem um comentário. Ninguém dera por falta. Ninguém parou para pensar no que ela sentira. E ela cansara de ver todo o seu esforço espalhado pelo chão, ser levado por aí pelo vento como pequenos grãos de areia.
Aquela garota era linda e tinha o coração mais amável que ousara existir. Mas ninguém viu, ninguém se deu ao trabalho de reparar. Estavam todos muito ocupados em saber se o próprio sorriso causava mais inveja do que o de terceiros. A garota se sentiu frustrada, invisível e não sabia mais o que fazer - queria desistir, queria acabar com toda a dor, não aguentava mais todo aquele sofrimento. Não aguentava mais amar, se esforçar pelos outros e ver que ninguém percebia sua pura existência.
Foi então que ela passou a carregar lágrimas. Mas, ao contrário dos sorrisos, ela não podia sair distribuindo e usando por aí. Apenas as guardava, todas bem juntinhas, apertadinhas. E eram muitas, inúmeras e todas muito parecidas. Os bolsos começaram a pesar demais – e ela desabou. Caiu desastrosamente, fazendo barulho, estardalhaço. Ela caiu e não esperava ajuda, não mesmo, mas, muito menos do que isso, não esperava que zombassem dela. Mas foi só o que aconteceu. A garota se viu motivo de riso, se viu esparramada no chão, sem conseguir nem respirar, tamanha era sua dor. Os bolsos esvaziaram, inevitavelmente, na frente de todo mundo. E todos ficaram inconformados, chocados - pois ninguém esperava que tudo isso coubesse ali dentro, não imaginavam que a garota pudesse guardar tanta coisa em seu bolso. E eles lhe deram as costas, porque, obviamente, os seus bolsos eram pequenos demais para poderem ajudar.
Mas com alguém foi diferente. Alguém ensinou para a garota que lágrima a gente não guarda no bolso: que a gente deixa ela escorrer, deixa ela vagarosamente descer até o chão. Que uma lágrima pode até ser mais intensa do que um sorriso, mas ela pesa e as pessoas nunca a tomam para elas. E a garota não entendia, não podia compreender porque ninguém havia lhe dito isso antes. Mas foi então que tudo se esclareceu.
"Sabe o que é que acontece? A gente que tem coração e quer distribuir felicidade é pessoa rara no mundo, como pequenos vaga-lumes. Só que na luz do dia, ninguém vê a gente. E, também, sem a luz do dia, não dá para olhar direito no espelho e isso é algo que muitos têm necessidade de fazer. São poucos os que tem a coragem de apagar a luz e abrir os olhos. Mas não é porque ninguém te vê que você precisa deixar de ser um vaga-lume... mais cedo ou mais tarde, alguém vai apagar a luz."
E pela primeira vez ela deixou uma lágrima escorrer até o solo, sendo logo seguida por um sorriso. A garota resolveu não desistir. Seguiu em frente, mesmo com os bolsos furados.



Se meus olhos mostrassem a minha alma, todos, ao me verem sorrir, chorariam comigo.                                               Kurt Cobain.
  

sábado, 1 de outubro de 2011

O segredo dos seus olhos.

Inspirado no texto "Dos Olhos" de Caio Coletti.
Adjetivos não faltam. Eu tento, mas é praticamente impossível chegar aos pés deles. Até porque, eles estão muito longe do chão. Falo dos meus preferidos, dos olhos. Os meus olhos, os outros olhos; os nossos. São interessantes, intrigantes, misteriosos. Querem saber de tudo, entender a vida. E eu só posso admirá-los, por tamanha coragem.
Já conheci vários. Alguns inesquecíveis, eu diria. Castanhos, azuis e verdes. Intensos, sonhadores, depressivos. Já fui cativada por seu brilho invejável e me perdi em meio à tanta pureza. Mesmo assim, rodeada de experiências memoráveis, poucos foram os olhares que me conquistaram. Esses sim, incrivelmente chegaram ao meu coração e, por mais que eu deseje, não sairão de lá.
Os mais próximos são castanhos, claros e escuros, protetores, fieis. Foram os primeiros que pude ver; os familiares. E eles são o chão que eu piso. Fazem com que eu me sinta melhor, segura e me dão força, para que eu seja simplesmente como sou, sem rodeios. Eles são minhas mãos, meus pés, minha cabeça, são toda minha força. Já os vi chorar, rir, brigar, sonhar e falar sem sequer dizer uma palavra.
Há também um par cativante de olhos castanhos-quase-pretos que me acompanha atentamente, mesmo estando bem longe. E os conheci há bastante tempo, mas foi há pouco que pude descobri quão amigos eles eram. Já compartilhamos as mesmas aflições, rimos e choramos juntos. Eles sintonizam perfeitamente com os meus. Comunicam-se e, acima de tudo, entendem-se, como se fosse mágica. Infelizmente, foram separados por alguns quilômetros de distância, mas continuam unidos pelo poder do coração. E é claro, estão sempre guardados dentro dele. Agradecerei eternamente por tê-los conhecido.
Carrego comigo olhos repletos de verdade. Esses são pretos, de uma cor viva, alegre. Algumas vezes, eles se fecharam para mim e me deixaram ainda mais intrigada. Mesmo assim compartilhei, e ainda compartilho, histórias mirabolantes, engraçadas e inesquecíveis. São os mais sonhadores, os que me ouvem, os especiais.
Eu não poderia me esquecer deles. Os de cor marrom claro, ou será escuro, que eu mal consigo perceber diante de todos os sentimentos que eles me trazem. Nesses, eu tenho vontade de mergulhar e conhecer bem mais à fundo. Eles não estão aqui perto por muito tempo, mas já foram suficientemente bons em me ensinar o que é amizade. Não gostam de falsos moralismos, críticas mal feitas e palavras perdidas. Eles gostam mesmo é de ser sinceros. Mostraram-me que a vida vai muito além do preto e branco da rotina. E quando escuto alguém falar dos "olhos", são os primeiros dos quais me lembro. Eu os admiro tanto que talvez nunca tenha revelado isso. Admiro seu mistério, sua capacidade envolvente de ajudar aos demais, sua inteligência, seu brilho. Sim, eles tem um brilho incomparável. São duas estrelas, prontas, intensas. É, esses são olhos complexos. E eu nunca poderia descrevê-los de maneira exata, porque ainda há muito que eu quero descobrir, se eles me permitirem. Mas hoje, eu não saberia o que fazer se os perdesse. Porque eles são uma parte de mim, são os olhos amigos, os amigos que eu considero e que, espero, permaneçam aqui por um bom tempo.
Conheci alguns olhos azuis, e com eles tive ótimas experiências. Todavia, são os castanhos que me fascinam. Acredito que tenho grandes histórias com eles. E por isso, tornaram-se integrantes da minha memória.
Ainda faltam um par de castanhos. Com esses, eu conheci o segredo de ter um irmão. Acho que no fundo, eu queria que fosse verdade. Porque, por mais que não concordássemos uns com os outros, eu estaria ali por eles e eles por mim. Na primeira vez que os vi, achei que já os conhecia de algum outro lugar. Estranho, eu sentia que esses olhos torciam por mim. E agora eles não passam de lembrança. Mesmo assim, eles estiveram presentes comigo por vários anos e eu não poderia esquecê-los, mesmo que desejasse.
Ah, os olhos. Eu passaria minha vida à contemplá-los só para tentar ser como eles. Poéticos e profundos. Não usam máscara e nenhuma maquiagem é capaz de disfarçar sua intenção. Têm uma pureza invejável e um mar de sonhos infinito. Colorem o mundo e trazem a vida. Quando sentem dor, simplesmente choram, e o alívio é imediato. Carregam consigo histórias, contos e músicas bem particulares, mas que estão sinceramente representadas pelo olhar. Eles não mentem, não foram feitos para isso. São apenas amáveis.
E eu serei uma eterna apaixonada por sua intensidade, por sua precisão. Porque eles vão muito além da anatomia, são a porta da alma.