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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

(In)evitável.

Dor. Ele acordou naquela manhã com mais dores que o normal. A situação já estava ficando insuportável e há dias ele sofria calado. Era um rapaz jovem, teoricamente saudável, com mais ou menos 21 anos, apesar da aparência de 35. Encorajado, Rodrigo decidiu acabar logo com aquela dor e foi à procura de um médico. Tomou seu café forte de sempre, vestiu-se à moda "primeira-roupa-que-encontrei" e, ao se olhar no espelho, chegou a desconhecer seu próprio rosto. Admitiu que a última semana fora difícil e lidar com tantos problemas tinha o deixado visivelmente derrotado.
A consulta começou com 15 minutos de atraso. Quinze toleráveis minutos, nos quais Rodrigo pôs-se a imaginar como seria o médico-monstro. Confessemos, Querido Leitor, que todos nós já passamos por uma sala de espera pensando em qual seria a forma da figura mitológica que abriria a porta e chamaria nosso nome. Com Rodrigo não era diferente.
Quando finalmente entrou na sala, a cena lhe parecia tão agradável que, por um momento, esquecera-se do propósito que o levara ali. O médico era um jovem senhor de uns 70 anos. A sala tinha dois grandes vidros na parede esquerda, os quais conferiam um visual deslumbrante de toda a cidade. Definitivamente, aquele lugar não parecia em nada com os outros consultórios médicos. Era claro, arejado e com um aroma de vida que ele nunca experimentara. Absorto em suas observações, Rodrigo percebeu que o médico o esperava de volta na consulta. Foi então que tudo começou:
- Bom dia, meu jovem. Diga-me o que está acontecendo.
- Na verdade, nem eu mesmo sei direito o que sinto, Doutor - Rodrigo parecia angustiado e o tom de sua voz revelava seu profundo desespero - é uma dor estranha.
- Em qual lugar é essa dor?
- Bem aqui - Rodrigo levou a mão ao coração e algumas lágrimas saltaram de seus olhos - é uma dor aqui dentro; e ela está me consumindo.
- Entendo. - refletiu o médico.
Toda sua experiência na área da saúde, levou o médico a desconfiar do diagnóstico. Mesmo assim, ele fez os exames de rotina e confirmou que fisicamente, o paciente não apresentava nenhuma anormalidade. Enquanto o examinava, fez algumas perguntas sobre a vida de Rodrigo, e então, pôde confirmar sua hipótese. Descobriu que, apesar da pouca idade, os pais dele já haviam falecido e que na semana anterior, sua noiva o abandonara dias antes do casamento. O rapaz sempre se sentira só e o amor ainda fora cruel com ele. Largara tudo em sua cidade natal para começar uma nova vida. Agora, ele não tinha mais nada.
O médico voltou para a mesa e disse:
- Já temos o diagnóstico - o semblante do médico não apresentava dúvidas.
- O que eu tenho, Doutor? Seja sincero. É grave? Quantos dias ainda me restam?
- Fique calmo, jovem. Não há motivos para tamanho desespero - uma risadinha escapou do canto de sua boca.
- Como não? E essa dor aqui no peito?
- Essa dor é a Dor do Desprezo, caro rapaz.
- Então o senhor está dizendo que tudo o que eu sinto, na verdade, não existe?
- Exatamente o contrário. Acontece que, na maior parte do tempo, a vida parece um grande fardo. Nós crescemos, adquirimos responsabilidades sem desejá-las e nos esquecemos de nós mesmos. Uma hora qualquer chega o amor. O ápice do contentamento e do altruísmo. Para alguns, é como tocar o céu. Para outros, a maior e melhor fonte de ilusões e angústias. Não há como descrever. Não há como dosar. As pessoas cruzam nossas vidas e isso pode ser verdadeiramente apaixonante. Você se entrega, deixa-se levar, com toda sua intensidade. O problema é que todo mundo vai ferir alguém algum dia, é inevitável.
- Mas então, como eu vou me livrar dessa sensação horrível? - Rodrigo parecia inconformado.
- Bom, não há muito o que fazer além de ter paciência e manter o foco. Mas é como eu digo: você sempre pode ter duas visões do mesmo fato. Quando estiver de frente com um copo com água até a metade, a escolha é sua. Você pode achar que ele está meio vazio ou meio cheio, sendo que a segunda opção torna a situação melhor. Ser positivo é uma tarefa extremamente complicada, e só atinge-se a perfeição com muita prática. É tudo uma questão de como você prefere enxergar sua vida.
Depois da consulta, Rodrigo escolheu um novo caminho. Deixou de ver os vazios e passou a olhar para o cheio. Se deu certo? Bom, isso não dá para saber. Mas a tentativa já valeu uma grande história.

E você, já tentou olhar para os "cheios" da sua vida?

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